O pão do Diabo.
O diabo amassou o meu pão, mas eu catei e comi. Acho que foi assim que eu sobrevivi a tudo que vivi até aqui. Ninguém joga fora um pão assim e eu não sou de desperdiçar nada que aparece de mão beijada. No caso, amassada.
Não estou tão longe, minha estrada nem foi longa, não gastei minha energia andando sem nada acontecer, pelo contrário, a quantidade de obstáculos fez parecer que vivi 100 anos em 10. Eu cheguei até aqui com os pés de um lavrador e uma carinha de bebê impressionante pra minha idade. Sim, eu sei que isso vai me beneficiar no futuro.
Mas, problema que aparece no meu caminho é prometeico. E o Diabo, todo dia, vinha querer desperdiçar o meu pão.
Foram incontáveis experiências e a parte que falta ainda é mais longa do que a caminhada até o presente. Talvez eu precisasse de tudo isso. Com esse negócio de ter o diabo voltando pra te visitar sempre que pode. Mas a minha avó, muito católica, costuma dizer que a gente só se acostuma com o que não presta, pois bem.
Quem sabe o diabo andou colado comigo no começo da minha história para que eu pudesse lidar com as tais providências divinas no futuro que está pra chegar. Bem próximo mesmo. Se isso tudo foi um jogo celestial com minha linha do tempo, talvez eu esteja agora no começo do limbo. Nem vai e nem vem.
Se isso for coisa do diabo mesmo, eu acho que ele foi um ótimo professor, com métodos alternativos. Aprendi no chicote como é que as coisas funcionam no mundo lá fora, só que aqui dentro. Aqui dentro já pegou fogo, já esfriou de cortar, já doeu como um punhal no peito e também consigo me recordar de quando eram flores e risadas, só pro tempo fechar de novo.
Ele me ensinou bastante coisas, por assim dizer. Ele espernear no meu pão, me instigou a aprender a receita. Decorei a receita, de tanto que eu fiz. Ganhei músculos de sovar, aprendi a esperar o tempo de fazer crescer, entendi alguns truques. Pode continuar pensando em pão.
Eu fazia o meu pão, ele ia lá e amassava. Eu comia até começar a gostar do pão todo esmiuçado, só para enjoar de novo. Eu cozinhava o pão, ele ia lá e amassava, tirando onda da minha cara. Falava mal, fazia cara de nojo… Tinha dias que nem amassava, jogava fora sem dó. Outras vezes, tirava um pedaço e cuspia, como se fosse feito de insetos vivos.
Fui observando e eu acabei percebendo que ele se alimentava mesmo era disso, afinal, tinha sempre pão para ele tirar um naco.
O maior ensinamento que o diabo me deu, foi de como engana-lo.