O Oculto.

Catarina Nogueira
3 min readMar 24, 2019

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- Fala, ou eu atiro.
— Isso. Esse som…
— O que?
— Esse som, faz de novo.
— Isso é uma arma, cara.

E ela estava carregada, pesada, pronta para seu fim.
— Volta aqui, põe ela aqui de volta!
O silêncio que se seguiu foi desconcertante. Mal sabia o homem que o outro queria mesmo era aquele alívio. Ele desejava aquele cano frio pressionado contra sua cabeça vazia.
Ele desejava isso.
Não sabia muito bem porquê. O sangue correu quente nas veias do homem, enquanto que na deste outro, suado, ferido e amarrado, corria gelado de um jeito… Reconfortante.
Ele queria muito. Mais do que qualquer um pudesse imaginar.
— Não vou fazer isso. Olha, eu não quero te machucar, eu só quero saber o que você tem para me contar. E você tem muitas coisas para me contar.
— Põe a arma de volta na minha cabeça, ou eu não falo nada.
O homem ficou parado pensando o porquê desse interesse. Há dois minutos, o outro era calmo e leve como um floco de neve caindo do céu. E ele sabia que o homem tinha algo a dizer sobre aquele transtorno todo, afinal, ele não estaria ali para ser interrogado.
— Olha, cara, se você não falar, eu vou…
— Vai o quê? Faz logo o que você tem de fazer! Vamos, coloca essa arma de volta na minha cabeça! Você ainda quer suas informações?
Surpreendido com aquele sorriso lunático no rosto do outro, o homem por um momento pensou em se render à tentação de fazer o que o homem pedia, mas havia medo. Um medo, um único arrepio gelado na sua espinha. Seu corpo, febril de ódio e culpa por estar sentindo medo de um homem, um outro homem amarrado e fundamental para resolver seu problema, estremeceu ao olhar para a face do outro mais uma vez. Era uma face diferente da que olhara durante horas seguidas. Foi assustador e desmoralizante perceber que o seu prisioneiro parece obter prazer da situação. Já não sabia mais com quem estava lidando.
Eu não sou um assassino.
— Mas tem o que eu quero. Você acha que é o único aqui que quer alguma coisa?
— E o que você quer? Fale de uma vez por todas.
— Sua arma na minha cabeça.
— Cara, qual é o seu problema? Eu não sou um assassino!
O outro estava entrando na mente do homem. Não deveria deixar… Ele não pode…
— Por Deus, qual é o seu problema?
— Adrenalina. Vamos, anda logo, põe essa arma na minha cabeça e puxa esse gatilho. Eu sei que você quer. Eu sei o que você quer.
O que se seguiu foi uma risada. Olhos incertos, sem a mínima direção, lacrimejando. Os olhos do homem pesaram, a vista escureceu. Ele não tinha como saber, nada mais fazia sentido.
O outro não tinha como saber.
— Como você…
— Ah, então você nunca viu uma pessoa como eu? Imagino também que você nunca tenha visto uma cabeça aberta e o barulho que ela faz? Preparado pra sentir cheiro de pólvora?
O silêncio, tudo agora estava dentro do esperado. Esse silêncio que o outro conhecia há muito. Aquela sensação, aquele sangue quente correndo. Como orvalho no rosto, foi rápido, revigorante. As paredes agora parecem mais bonitas… Pelo menos, aos olhos do outro.

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